Márcia C. Vieira.

15-11-2010 14:04:12

Crescer é perigoso!

Um dia chuvoso, uma vidraça embaçada, os pingos cadenciados caindo sobre o telhado e pronto, é o cenário perfeito para as reminiscências do passado aflorarem a mente. Até mesmo o bolinho de chuva, velha receita que todas as avós que se prezam possuem, adquire caráter de manjar dos deuses. O joelho ralado, as lágrimas, o esconde- esconde, a bola quebrando a janela do vizinho rabugento, flashes de algo tão distante, que às vezes parece ter acontecido com outra pessoa e não você. Outras vezes prefere esquecer, para assumir a postura rígida que a vida adulta impõe.

 A nostalgia chega lentamente, e sem saber como, nem por que se dá conta... Crescer dói. E não é a dor física de um joelho ralado, curado com um simples curativo. Nem as mudanças repentinas e assustadoras que o corpo sofre de uma hora para outra. É preciso abandonar velhos hábitos, encarar os problemas com coragem, e não como uma criança assustada. E isso pode ser assustador em um primeiro momento. Passamos a carregar o peso das escolhas, dos erros e acertos. Porque as avós, aquelas doces criaturas que ainda povoam a mente quando não somos mais crianças, não nos avisam que a vida é cruel para aqueles que não souberam cicatrizar suas feridas. Porque não há placas, sinais pelo caminho indicando que a profissão dos seus sonhos, aquela que irá tomar todo seu tempo e energia, que fará passar noites intermináveis sem dormir, se alimentando mal, aquela que será responsável por sua fama de "anti-social", "chato", "racional e egoísta", que fará protelar os sonhos de infância, de adolescência, quando desejava coisas modestas talvez se transforme em sua maior frustração. Algumas pessoas desejaram somente ter uma família, marido, mulher, filhos, cachorro e almoços aos finais de semana. O que aconteceu com a vida simples? Saiu de moda? Ou o século XXI não admite pessoas que não persigam um ideal ambicioso. Porque todo mundo quer ter o melhor emprego. Ser o presidente da companhia? Ganhar muito dinheiro (pelo menos o suficiente para duas viagens ao ano para o exterior), quem definiu este padrão como certo, ideal? 

E nesta fogueira de vaidades, vão se consumindo as ultimas lembranças. É o preço que se paga pela maturidade! Crescer é perigoso! Suas escolhas podem se mostrar certas ou erradas, mas só é possível sabe- las depois de escolhido o caminho, e o preço que se paga às vezes é alto demais. Mas ser adulto é isso, olhar para o passado com saudade, e seguir adiante, porque aprendeu com o tempo e a duras penas que nada volta atrás. Não existem fórmulas mágicas para minimizar os efeitos dos erros, e o equilíbrio só é atingido com uma boa dose de loucura e sanidade. Nada em excesso. Crescer é um processo lento, às vezes doloroso, mescla fases de construção e desconstrução. O primeiro diz respeito ao que é agregado a nova fase, o segundo ao que somos obrigados pelas circunstancias a deixar para trás.

Tudo faz parte de um plano maior, do grande aprendizado pelo qual todos irão passar. É perigoso, porém necessário. A forma como se dará a transição de uma fase para outra é fundamental para que o choque seja o menor possível. Mas no fim, vale à pena enfrentar os monstros da maturidade, escolher, decidir, definir prioridades, fazem parte deste longo caminho que só atingimos em maior grau depois dos quarenta, antes disso gostamos de pensar que somos maduros, enquanto ainda cometemos erros primários da adolescência.  Segundo Oscar Wilde os amigos, e reverto isso para as "pessoas" deveriam ser "metade infância e outra metade velhice. Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa".

De qualquer forma, o saudosismo é normal, afinal só deixa saudades, algo que foi bom. E por mais que a gente cresça, há sempre alguma coisa que a gente não consegue entender. (ver notas).