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Por Luciano Egidio Palagno.
Por Luciano Egidio Palagno.

Maya em ação: a relação entre essência e aparência.

(Luciano Egidio Palagano)

Vivemos na era das correntes de e-mail, e textos muitas vezes apócrifos correm de caixa de e-mail em caixa recebendo a atenção, o tempo e muitas vezes a crença de internautas que os recebem, este artigo é baseado em um destes textos de internet.

Existe um texto que corre em listas de e-mail pela internet no mesmo o autor relata uma suposta experiência socialista feita em sala de aula, a mesma teria sido realizada por um professor de economia que faz a experiênicia de dividir a nota de seus estudantes de maneira igualitaria e baseado nessa única experiência chega ao resultado de que o Socialismo jamais daria certo. Este texto deu base a um artigo no Jornal O Presente publicado no dia 24/03/10 chamado "Socialização ou Sacanagem?" (Élio Migliorança), artigo este que respondi com outro artigo no mesmo jornal no dia 21/04/10, debatendo as conclusões do autor do artigo do jornal. Este artigo é baseado neste primeiro, uma especie de evolução do pensamento, ou aprofundamento teórico daquele, não quero entrar aqui na estória do texto da corrente de e-mail em sí, pois faria este artigo ficar mais longo do que ele já é, para quem tiver a curiosidade de saber a estória do texto citado em seus detalhes é só digitar o nome do mesmo no Google entre aspas. O que quero fazer aqui é uma análise aqui da história, para depois discutirmos sobre o conceito de Essência e Aparência nos escritos de Marx.

No referido texto, o autor relata que uma suposta classe de Economia passou a socializar as notas, e que os "preguiçosos" não fizeram a parte deles, enquanto os "estudiosos" tiraram notas por todos, mas como as notas seriam divididas os estudiosos ficaram com menos do que tiraram e aqueles que não fizeram a parte deles aumentaram sua cota de notas em cima dos outros. O estudiosos ao verem que suas notas diminuiram e a dos outros aumentaram também pararam de estudar, por dizer que não valia a pena estudar para sustentar a nota dos outros, no final como a nota de cada aluno seria a média da sala todos acabaram reprovando, pois ninguém mais estudou e a média geral caiu ao minimo possível. Conclusão: Isso é o que aconteceria em um sistema socialista! Aritméticamente falando nada esta errado, mas para se chegar a esta perigosa (veremos mais adiante o por que do perigosa) e importante conclusão deve-se análisar outros pontos, afinal seres humanos não são meramente números.

Até o ponto que conheço da teoria Marxista, em O Capital Marx diz:

"De cada um de acordo com sua capacidade, a cada um de acordo com as suas necessidades!", reparem bem: "SEGUNDO A SUA CAPACIDADE", "AS SUAS NECESSIDADES", não se fala apenas da necessidade, fala-se também da capacidade que o indivíduo tem em relação ao trabalho, que é a única maneira de avaliar a capacidade de um indivíduo, isso inclusive é dito na citação de Marx antes mesmo de falar em necessidade.

Ou seja, a experiência que o professor relata no artigo me parece mais uma perspectiva de divisão capitalista das notas, onde alguns extraíram a mais-valia (podemos mencionar assim) das notas daqueles que estudaram, com a intenção de cobrir o que faltava nas suas, pelo fato de não haverem estudado. Esse é um erro comum, tanto daqueles que muitas vezes pregam o socialismo sem conhecer exatamente a teoria, como também daqueles que se colocam contra ele, desvirtuando e "inocentemente" fazendo citações, mas não as trabalhando da forma correta, e nem de forma completa.

Uma experiência realmente socialista não pregaria bolsas, ou, no caso da sala, a simples divisão das notas, isso é uma visão, no meu ponto de vista, deturpada e totalmente errônea da teoria socialista. Uma divisão realmente socialista, no caso da sala, teria de começar inicialmente incentivando a todos os alunos estudarem (trabalharem), para que então o resultado conjunto fosse o melhor possível, pois o interesse de uma sociedade socialista é a melhoria da sociedade e não do indivíduo, pois o indivíduo faz parte da sociedade, logo, se todos atuarem em benefício dela, todos serão beneficiados.

Por isso que, além da divisão igualitária da produção (notas), o socialismo prega a construção de um novo indivíduo (transformação do preguiçoso em estudioso), não o indivíduo "Robinson Crusoé", pautado nas mônadas da filosofia, onde o indivíduo está só e age apenas por si, e aquele que está a seu lado não é seu companheiro, mas pelo contrário é seu rival. Para que o socialismo dê certo, é também necessária a construção de uma nova noção de individualidade, uma individualidade pautada na comunidade, que surja a partir da comunidade e do indivíduo vendo-se como parte integrante da mesma.

A experiência supostamente socialista na sala não deu certo porque não houve esse processo, os estudantes, apesar de defenderem a divisão das notas, não agiram como verdadeiros socialistas no sentido de pensar na comunidade, que no caso deles seria a sala de aula. Foi uma mera experiência de divisão capitalista, em que uns indivíduos sobrevivem do trabalho de outros. E correlacionar isso com Socialismo é cair no erro de confundir Aparência com Essência, algo que Marx sempre alerta para que não façamos. Para uma transição de sociedade não basta mudar a forma de distribuição, é necessária também a construção de uma nova mentalidade, ou seja, não basta mudar a aparência de como a sociedade está organizada, é necessária uma mudança estrutural que modifique a própria essência que dá base a esta aparência. Assim como fez o capitalismo ao destruir a mentalidade do homem medieval para dar vida a sua própria'lma (A Ascese e o Espírito do Capitalismo - Max Weber).

Logo, concordo com o título do artigo (Socialização ou Sacanagem?), que dá base a este texto, realmente, o que aconteceu em tal situação não foi socialização, mas sim sacanagem, só que o professor está errado ao pensar que foi sacanagem porque o socialismo não daria certo, foi sacanagem porque foi uma experiência de divisão da produção pautada exatamente em cima dos moldes capitalistas da divisão da produção social, onde alguns produzem e outros vivem dessa produção.

E sem analisar a essência do fato construiu-se um discurso de que esta seria uma divisão Socialista, por isso falei da periculosidade da conclusão anteriormente, pois para chegou-se a uma conclusão baseada em aparências, e não na realidade do fato. Assim, a conclusão já tem em sí um vicío de origem, é como dizer que um a Sol gira em torno da Terra por aparentar ser assim, a aparência muitas vezes esconde a verdadeira essência das coisas. Assim sem se preocupar com a construção de um novo indivíduo, como Makarenko, por exemplo, o fez em seu trabalho pedagógico com menores delinquentes no início do sec. XX na URSS, não é possível que ocorra uma mudança da Essência. A produção não é socializada nem mesmo na sua confecção, e muito menos na sua distribuição, logo, é sim uma Sacanagem! Uma sacanagem capitalista usando disfarce de socialismo. Portanto, nessa avaliação percebe-se claramente a distinção entre essência e aparência. Para entender o conceito, inicialmente deve-se ter em mente que para Marx, ao contrário de outros autores anteriores, não existe uma divisão real entre Essência e Aparência. A Essência e a Aparência seriam assim como as faces de "Janus", duas partes de um mesmo todo. O mundo real não é dividido entre mundo ideal e mundo empírico, o que existe é uma construção dessa divisão, e é essa construção que dá base para a noção de essência e aparência da realidade.

Como exemplo mais prático podemos pegar o dinheiro, o valor do dinheiro em seus primórdios era pautado na raridade do material com que era feito. Logo, moedas de ouro valiam mais que moedas de prata que valiam mais que as de bronze. Enfim, existia sim uma espécie de fetichização do valor, mas esta fetichização estava vinculada à raridade empírica do material. O que a sociedade capitalista faz é fetichizar a própria fetichização, e retirar a valor empírico.

Para isso constroem-se noções de valor de forma artificial, ou seja, o valor é aparente, desdobrando-se única e exclusivamente de uma construção social. Exemplo disso ainda é o próprio dinheiro. Hoje, usa-se dinheiro de papel, que é muito mais abundante do que qualquer metal, mas mesmo assim se continua dando valor ao dinheiro, pode-se dizer que esse valor é retirado de uma convenção social, mas é mais do que isso. A questão da raridade (essência) ainda está posta, pois é só lembrar que existe um controle na emissão de moedas, que mantém um certo patamar de emissão impedindo que se emita demais, pois isso acarretaria em uma desvalorização da moeda. Logo, a essência se mantém, só que de forma artificial, tornando-se assim a própria essência uma aparência ao se mudar o material. Se a raridade era essência do ouro, ela não faz parte do papel, essa raridade controlada é uma construção social, é apresentada enquanto essência, mas no fim é aparência.

E é contra essa confusão que acontece na sociedade capitalista que Marx nos adverte. Ao criar o dualismo entre essência e aparência, o capitalismo reveste de essência a aparência e omite a verdadeira essência. Coloca-se um véu na frente da consciência dos indivíduos que os impedem de ver a essência das coisas. Como prega a religião Hindu, é a soberania de Maya, a deusa que pondo um véu sobre a consciência dos humanos esconde a verdadeira essência das coisas. Outro exemplo é o salário, no processo de confundir essência com aparência, o trabalhador é estimulado a acreditar que a relação salarial é justa, e que o valor que ele está recebendo é o valor total do tempo da venda de seu trabalho, quando na verdade este valor é uma ínfima parte do valor que ele produziu, mas que no processo de sublimação torna-se solúvel e se camufla.

Ver o mundo e a sociedade através do viés da aparência é como querer analisar o corpo conhecendo apenas a mão, ao ver a mão não se deixa de ver o corpo, pois ela é parte do corpo, assim como a aparência não está descolada da realidade, pelo contrário é parte dela. Mas ao se ver apenas a mão, não se tem a possibilidade de analisar todo o conjunto, e verificar como a mão se move, e por que ela está viva. Analisando a mão pela mão, você vai dar a razão da vida da mão à própria mão; e não se apercebe de que ela está viva porque faz parte de todo um conjunto que se camufla e se esconde da análise.

Segundo Marx, o papel da ciência está justamente aí, em perceber o além da aparência, em transcender essa visão cotidiana do mundo, percebendo as relações imbricadas que compõem a sociedade, mas que estão camufladas, dentro de seus efeitos. É necessário então, ir além dos efeitos e perceber as causas do mesmo. Logo, como diz Marx, "toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata entre a aparência e a essência das coisas" (Marx, 1984. P.939), mas diz também Marx que "todas as ciências, exceto a Economia Política, reconhecem que as coisas apresentam uma aparência oposta à sua essência" (Marx, 1867. P. 620). Portanto, se na Ciência busca-se distinguir entre uma e outra, essa relação imbricada entre a essência e a aparência é negada dentro das relações econômicas, de forma a tentar disfarçar as verdadeiras concepções que estas reproduzem.

Aparência e Essência não são duas realidades opostas, são pelo contrário duas faces de uma mesma realidade, só que o capitalismo procura sublimar uma e dar base para a outra, fazendo com que assim uma se passe pela outra, e a outra pareça não existir. O sistema ao buscar constantemente camuflar a essência apresentando apenas a aparência como verdadeira, negando assim a relação dialética existente entre as duas, apresenta-se como completo, fechado e eterno, negando assim as suas contradições internas. É Maya em ação, escondendo dos humanos a verdadeira essência das coisas.

Luciano Egidio Palagano é trabalhador do Setor da Educação, acadêmico de História e Direito - UNIOESTE/PR, presidente do Partido Socialismo e Liberdade em Marechal Cândido Rondon/PR e militante do Movimento Estudantil, Pastoral Operária e Sindical (Educação).

 

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